Santiago Alba Rico

Filósofo espanhol: ‘Na cilada da islamofobia, todos são ameaçados’

MADRI – Tendo morado nos últimos 23 anos em países que foram cenário da Primavera Árabe — atualmente na Tunísia e, antes, no Egito — o filósofo espanhol Santiago Alba Rico reuniu material para escrever o livro “Islamofobia. Nosotros, los otros, el miedo” (“Islamofobia. Nós, os outros, o medo”, Icaria Editorial). Nele, traça um paralelo entre o tratamento que os judeus receberam na Segunda Guerra e o que, hoje, os muçulmanos vivenciam na Europa. Segundo Alba Rico, a aceitação de um povo como inferior e ameaçador coloca em risco o Estado de Direito e o transforma em vítima da islamofobia — algo que, para ele, é pior do que o terrorismo. “Se o antissemitismo não tivesse tido uma aceitação tão natural durante séculos, o nazismo e o Holocausto não teriam existido”, alerta.

Como é o olhar do Ocidente em relação ao muçulmano?

Fundamentalmente negativo, e decorrente de uma memória histórica muito manipulada ou da grande quantidade de imigrantes nas metrópoles europeias, principalmente na Alemanha e na França.

Ser de esquerda ou de direita afeta esta visão?

Em relação ao Islã, esquerda e direita se juntam. A direita, pelo cristianismo, já que, historicamente, são muitos os conflitos. E a esquerda, por um laicismo fanático e radical, que, em nome do rechaço às religiões, as acaba perseguindo.

Quais os perigos para os que sofrem e para os que a exercem a islamofobia?

Quando se aceita naturalmente a inferioridade de outros povos, aceita-se, assim, leis de exceção que questionam o caráter universal do Estado de Direito, para aplicar o que se chama de Direito Penal do Inimigo contra comunidades inteiras, sem distinguir inocentes e delinquentes. Todos viram uma potencial ameaça, e, em nome da segurança, todos acabam sendo ameaçados.

É o que o senhor chama “interiorização mansa da inferioridade de outros povos”?

Exatamente. Não podemos esquecer que o que aconteceu com os judeus foi resultado da aceitação do antissemitismo durante séculos pela população como algo natural. Na Europa, hoje, todos estão muito sensibilizados em relação às consequências do antissemitismo, enquanto não vemos o que pode gerar a islamofobia.

Por outro lado, o discurso anti-islamofobia, anticolonialista, também não tende a menosprezar certas questões?

Sim. Inverter a lógica é deixá-la intacta, subestimando os muçulmanos como sujeitos políticos livres e responsáveis. Da mesma forma que os islamofóbicos dizem que todos são maus, o discurso oposto, de que todos são bons ou que estão respondendo automaticamente a agressões imperialistas, é falho. Não podemos esquecer que, dentro do mundo árabe-muçulmano, há muitas diferenças: a maior parte das vítimas e dos combatentes do Estado Islâmico é de muçulmanos.

A islamofobia é vantajosa para o Estado Islâmico?

Completamente. Um dos objetivos destes atentados brutais no coração da Europa é aumentar a islamofobia para que estas comunidades, pressionadas, se sintam alheias ao país no qual vivem e acabem simpatizando com o Estado Islâmico.

A islamofobia e o terrorismo se retroalimentam?

Totalmente. Os discursos do chamado califa do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, e os discursos antiterroristas europeus beligerantes de, por exemplo, Sarkozy ou Le Pen, são réplicas, são falas excludentes. Não se pode jamais impor uma política de entendimento, ela somente dará lugar a políticas de guerra.

A islamofobia e o terrorismo são, então, igualmente perigosos?

O terrorismo é perigosíssimo, e cada vez mais. Mas a islamofobia é ainda mais perigosa. Ela é motor e alimento do terrorismo e debilita o Estado de Direito dos países que dizem combatê-la. É uma gravíssima ameaça à civilização. Se caímos na cilada da islamofobia, acabamos todos igualmente ameaçados.

Os muçulmanos estão se transformando em bodes expiatórios?

Sem dúvida, principalmente em tempos de crise. Aos partidos, é muito conveniente ter um bode expiatório que, de alguma maneira, lhes dá uma legitimidade que não têm. O terrorismo tem sido utilizado como instrumento eleitoral. Ele serve para restringiras liberdades e introduzir o medo como regra de gestão política das sociedades ocidentais.

Diário da Manhã