Se a Alemanha está em forte posição econômica, isso se deve ao fato de ter se beneficiado do perdão de seus vizinhos e dos EUA após a II Guerra Mundial. A União Europeia nasceu de esforços conjuntos, cujos ideais visavam a reconstrução, a solidariedade, o controle de armas, o intercâmbio de mercadorias e a recuperação do capitalismo frente à expansão do socialismo de Estado (a unificação da moeda pautou os debates somente nos anos 90).
O perdão de dois terços da dívida alemã, além de regras muito favoráveis para o pagamento restante, conduziu aquele país a uma milagrosa recuperação econômica já na década seguinte. A dívida pôde ser administrada e paga antecipadamente diante da duplicação do PIB alemão.
É hipócrita a postura adotada contra a Grécia, uma vez que faz crer que não há outra saída a não ser pagar sua dívida externa nos termos impostos pelo descabível terrorismo econômico que paira sobre a zona do euro. O coro da troika é forçar o governo grego a aderir à autodestruição, já que o FMI, o secretário do Tesouro Americano, Jack Lew, e a chanceler alemã, Angela Merkel (segundo conversas divulgadas pelo Wikileaks), afirmaram ser uma dívida impagável.
As políticas de austeridade foram implementadas para ajustar a economia, mas acabaram se tornando a causa do desajuste permanente. O corte de gastos do governo e de salários, a diminuição drástica das pensões, as privatizações, as desregulamentações que favorecem o capital e o aumento dos impostos não foram suficientes para fazer o Estado retomar sua força e promover algum bem-estar. Pelo contrário, os empréstimos concedidos a juros exorbitantes levaram o Estado grego à gradativa inoperância, restringindo-o a mero pagador de dívidas.
A dívida que totaliza 175% do PIB grego levou ao colapso do sistema bancário, à queda na arrecadação de impostos, à depressão da produção e do emprego. A mortalidade infantil vem crescendo; pudera, quase 40% das crianças vivem agora na pobreza. O desemprego entre os jovens alcança o patamar de 50%. Um estudo do jornal médico BMJ Open aponta um aumento de 35% no índice de suicídios após a adoção de políticas de austeridade. A população grega está 270% mais depressiva. O número de gregos sem seguro saúde aumentou 500%. Ora, não faz o menor sentido afirmar que a ruptura grega com a zona do euro levará à catástrofe maior do que essa que assistimos.
Os gregos já pagaram os pecados pelo irresponsável endividamento de governos passados ao implementar as políticas de controles de déficits que redundam cada vez mais em depressão econômica. O sucesso dessas medidas restritivas é possível em um país com moeda própria que possa desvalorizá-la até o ponto de tornar as exportações competitivas e deixar positivo o saldo da sua balança comercial. Mas a Grécia não tem uma moeda própria. Para reconquistar sua independência, deve romper com o euro, criar um novo meio de pagamento doméstico e, posteriormente, reintroduzir o dracma. De preferência, contando com a solidariedade que a Alemanha já dispôs um dia: o perdão da dívida ou, pelo menos, o alívio de parte dela.