Na obra Pseudoproblemas na Filosofia, Rudolf Carnap apresenta uma tese que fundamenta serem significativos somente enunciados que possuem conteúdo factual, enquanto que aqueles que não se fundamentam na experiência seriam carentes de significado.
Para dar conta do problema, ele propõe a diferenciação entre a análise lógica e o significado da análise epistemológica, abandonando conceitos tradicionais filosóficos que não podem ser problematizados, os chamados ‘pseudoproblemas’. Assim, atesta que um conhecimento só é factível se for precedido por uma linguagem que o torne possível. Se, para os gregos, citemos Aristóteles, por exemplo, a Metafísica é a ‘filosofia primeira’, ou seja, ela é fundante tanto da Ética, quanto da Política, da Física, da Cosmologia, no mundo moderno, para autores como Carnap, os fundamentos do conhecimento são a Lógica e a Linguagem.
Segundo Carnap, elaborar um método para justificar as cognições é o objetivo da epistemologia, ou seja, ela deve justificar relativamente a autenticidade do conhecimento e, por fim, reduzir esses conceitos da ciência empírica (seja do conteúdo das ciências naturais ou culturais) a outros conteúdos de cognições mais simples, partindo de objetos “superiores” para os “inferiores” chegando àqueles objetos (conceitos) que não podem mais ser reduzidos, chamados de “(epistemologicamente) fundamentais”. Em outras palavras, um dos papéis do epistemólogo é estabelecer um sistema construcional, submetendo as diferentes ciências naturais e culturais a um conjunto mínimo de princípios em comum “epistemologicamente analisado”. O papel da epistemologia é buscar essa síntese, reduzindo os conceitos de todas as áreas da ciência entre si e, finalmente, reduzí-los a poucos conceitos básicos.
Enquanto para o filósofo da ciência, Karl Popper, A Lógica da Pesquisa Científica é uma discussão sobre os métodos científicos, em que não se buscava unificar as diferentes ciências em uma única, a proposta de Carnap é mais ambiciosa, pois alega que as ciências empíricas, por mais que tenham métodos diferentes, podem chegar a um princípio comum.
A derivação da validade de algumas proposições – expressas por meio de sentenças – que resultam em inferências, também faz parte da Lógica, no entanto, ela se dá através da reorganização dos conceitos que deriva uma proposição que não permite a inserção de um conceito novo. Em outros termos, quando trabalhamos com a lógica formal aristotélica, supondo aquele famoso exemplo do argumento silogístico: todos os homens são mortais (P: Premissa maior); Sócrates é homem (p: premissa menor); (=) Sócrates é mortal (c: conclusão), tal conclusão (c: Sócrates é mortal) é válida porque é inferida da premissa menor (p: Sócrates é homem), que, por sua vez, é inferida da premissa maior (P: todos os homens são mortais). É claro que a noção de “mortal” e de “homem” são elaboradas por convenção e, se tais convenções não forem inconsistentes ou contraditórias, posso chegar à conclusão (c) de que Sócrates é mortal. Assim, nenhuma ideia nova foi introduzida na análise lógica.
De outro modo, na derivação da epistemologia, a sentença a ser justificada e derivada deve conter um conceito que não ocorra nas premissas, ou seja, conteúdos que não estão previstos em proposições anteriores. Só é possível formularmos claramente a tarefa da epistemologia e entendermos o significado de objetos fundamentais, segundo o autor, quando for esclarecido o que quer dizer “um conceito A ser epistemologicamente redutível a um conceito B”. Logo, o objetivo da análise epistemológica é analisar o conteúdo teórico da experiência, efetuando uma divisão entre os constituintes da experiência objetivando encontrar aqueles constituintes empiricamente mais fundamentais em relação aos outros. Em outros termos, o primeiro passo do procedimento consiste numa divisão lógica do conteúdo teórico da experiência em duas partes, uma delas chamada “constituinte epistemologicamente suficiente” e a outra, “constituinte epistemologicamente dispensável”. Existe, entretanto, de acordo com Carnap, uma observação a ser feita: ao empreendermos tal divisão, não significa uma divisão real, mas, sim, apenas uma análise conceitual, por assim dizer, “abstrativa”, uma vez que a experiência permanecerá como um todo conceitual inalterável. Então, primeiramente temos a experiência e, em seguida, promovemos a análise com objetivos puramente epistemológicos.
Carnap fornece um exemplo bastante simples, tendo em vista a possível aquisição teórica do conhecimento, para ilustrar o método da análise epistemológica. Experencia-se apalpar uma chave conhecida previamente; há o reconhecimento dela pelo sentido tátil, mesmo sem o sentido visual; simultaneamente, experencia-se a representação dos dois sentidos, tátil e visual, mesmo com os olhos fechados.
A avaliação epistêmica de uma chave, no caso, a experiência que está sendo enunciada, serve para saber até que medida tal experiência acrescentou ao conhecimento (teórico). Trata-se de uma adição do conhecimento teórico da experiência, mas também na inferência de um conteúdo com auxílio daquele que possuo previamente. Na divisão desta experiência, entendemos por constituinte “a” a forma tátil da chave e por constituinte “b” a sua forma visual. A análise epistemológica empreendida demonstra que há um constituinte dessa experiência que é epistemologicamente suficiente em relação a outro constituinte que seria dispensável. Assim, podemos inferir de nossa avaliação epistêmica da chave (mesmo se estivermos de olhos fechados, isto é, privando-nos do constituinte “b” da experiência) que, “esta coisa tem tal ou qual forma; esta coisa é a chave da minha casa; esta coisa tem a cor do aço”. Isso mostra que podemos prescindir do constituinte “b”, epistemologicamente dispensável para obtenção de cognições, que, no nosso exemplo, são representadas por este conjunto de inferências supracitado. Os enunciados (conjunto de inferências) acerca da experiência, nos permite avaliar até que ponto tal experiência se acrescenta ao nosso conhecimento teórico. Diz Carnap, “esta adição consiste não somente no conteúdo teórico da própria experiência, mas também em tudo aquilo que posso inferir desse conteúdo com ajuda de meu conhecimento anterior”.
Caso tratássemos o exemplo da chave como uma análise lógica, ou seja, se não levássemos em conta o caráter epistêmico de cada constituinte, incorreríamos em ambiguidade, pois poderíamos nos privar da forma tátil e manter a visual como constituinte suficiente. Tal fato reforça a relevância de tratarmos aquilo que é “indispensável” somente no sentido epistemológico. De outro modo, em sentido lógico, o constituinte “b” poderia ser reduzido ao “a” e vice-versa ocorrendo uma ambiguidade lógica entre os constituintes. Por isso diz Carnap “uma vez que somente se apalpou a chave e que esta não foi vista, não podemos, nessa experiência, dispensar a forma tátil sem ao mesmo tempo remover a própria experiência”.
Nesse sentido, podemos concluir que a análise lógica é puramente formal, limitando-se à análise dos conteúdos, portanto abstrata, e a análise epistemológica traduz-se na preocupação com os conteúdos das experiências.
Referência bibliográfica
CARNAP, R. Pseudoproblemas na Filosofia. Portugal: Cotovia, 2002.
POPPER, K. R. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 2013.