(M)idiocracia – a ditadura do pensamento vulgar: fundamento e movimento

Por Mário Henrique da Luz do Prado

Tal fenômeno de padronização massificada gera o movimento social predominante. Que, hoje, se manifesta num ódio político unilateral.

A referência é, na sua existência, indiscutível como elemento de formação individual, mas, sempre, e como que axiomaticamente, discutível na essência de seu conteúdo.

A formação do senso geral, como soma da formação individual, ao menos na nossa sociedade, tem como referência, quase que homogênea, a fonte superficial, de saber “visual” – a mídia. Seja ela a mídia escrita, a televisão ou a mídia virtual (frise-se que aqui falamos da grande mídia, a mídia de massa).

Os meios de comunicação são responsáveis diretos pela formação do senso comum. Atuam com ênfase na repetição, na homogeneidade e na superficialidade da idéia, tratando, sempre, de temas profundos com idéia vulgar (simples, perfunctória).

A repetição está na veiculação reiterada das ideias. Sempre, e sem exceção, a ideia é repetida até que seja aceita, tanto na dimensão qualitativa como na quantitativa – na profundidade e no alcance, com aceitação profunda pelo máximo numero de pessoas.

A homogeneidade está num “acerto” de ideias – todos os jornais impressos, noticiários de televisão e sítios eletrônicos de notícias da grande mídia divulgam a mesma linha de ideias, quando não, dão demasiada ênfase à mesma manchete, o que é seguido pelo leitor sem a menor resistência.

E a superficialidade está numa negativa absoluta em aprofundamento dos temas tratados. Quando se quer defender uma pauta, basta trazer um breve parecer de algum especialista que defenda a linha que o veículo busca defender, sem, em nenhuma hipótese, tratar de um outro lado do mesmo tema. Nunca. A negativa de democracia está intimamente ligada ao axioma da superficialidade no trabalho da grande mídia.

Mas então a mídia é a única referência de formação das massas?

Sim.

Tal fenômeno de padronização massificada gera o movimento social predominante. Que, hoje, se manifesta num ódio político unilateral.

A “midiocracia” se materializa em movimento.

O movimento é implícito em qualquer formação social, pois esta é, sempre (o que dizemos sem medo de generalizações), dinâmica.

O movimento é implícito em qualquer formação social, pois esta é, sempre (o que dizemos sem medo de generalizações), dinâmica.

A sociedade é, especialmente numa análise regionalizada, fruto de construção histórica, antropológica, social, econômica, política típicas e, por isto mesmo, comparação entre regiões e países é deveras injusta e destoante de conclusão realista e com anátema aos preconceitos.

Dentro deste regionalismo observamos os fenômenos sociais de forma mais límpida e arraigada, com melhor conclusão epistemológica (sem juízos apriorísticos de valor que poderiam contaminar os meios e os fins da análise como um todo).

E, duma observação breve dos movimentos sociais dos tempos atuais em nosso país, podemos observar toda ordem de manifestações, organizadas ou não, sejam políticas e/ou sociais, que, em maior ou menor grau, tomas as ruas em defesas de interesses.

O que parece, ao início, legítimo movimento social é, na análise que passamos a fazer, uma dualidade de articulações que separamos em dois grupos: os movimentos centrífugo e centrípeto.

Pois bem.

A filosofia diuturnamente nos entrega com delícias cobertas de ardor (já que o estudo da filosofia é mais um fardo que uma sobremesa, porém quando se encontra resposta para questões que guardamos por toda a vida somos tomados por um sentimento anormal de alegria).

Kant (oh Deus, Kant) em A Crítica da Razão Prática nos ensina que o conhecimento tem duas fontes: os sentidos e o raciocínio:

“O nosso conhecimento provém de duas fontes fundamentais do espírito, das quais a primeira consiste em receber as representações (a receptividade das impressões) e a segunda é a capacidade de conhecer um objecto mediante estas representações (espontaneidade dos conceitos); pela primeira é-nos dado um objecto; pela segunda é pensado em relação com aquela representação (como simples determinação do espírito)”. (Kant, Crítica da Razão Pura, II parte, Fundação CalousteGulbenkian, Lisboa, Pág 88)

Poderíamos passar horas, dias, talvez anos em debruçando sobre estas breves linhas de Kant. Contudo, o que podemos, neste momento, extrair deste texto são as fases do conhecimento: um juízo sintético, qual seja, aquela que vem até nós por meio dos sentidos. É uma experiência geral do que ocorre a partir da recepção de informações por meio dos sentidos (é a receptividade das impressões); e outra, a espontaneidade dos conceitos, que é a reflexão, o pensamento sobre as informações.

Dum esquadrinhamento breve temos que: o conhecimento nos vem através dos sentidos, se forma, e se lapida com a reflexão e o raciocínio sobre as impressões recebidas.

Nos é lícito, então, classificar como superficial o conhecimento que vem por meio da receptividade dos sentidos e não é objeto de reflexão posterior. E podemos, igualmente, chamar de superficialismo a prática de formação do conhecimento por meio de receptividade sem objeção, sem reflexão.

Analisando a nossa construção social sem profundeza já podemos nos dar conta de que não temos ideologia (e não buscamos uma, contrariando o que dizia Cazuza).

Não somos ensinados a ter ideologia. Fomos ensinados a obedecer, e isto vem desde nossa criação escolar (e especialmente por ela). Toda transgressão é pejorativa, mesmo numa sociedade petrificada por construções que desconhecemos a origem. Nossa educação é informadora, e não formadora. Desde a pré-escola até o doutorado, a educação tem como objetivo a formação de ensino técnico, e, nas entrelinhas, a formação humana.

Mas temos, ao mesmo tempo, um ímpeto de revolta (num sentido bastante estrito) como cultura. Mas é uma revolta em terceira pessoa, direcionada a outrem.

A ausência de formação político-social nos faz agir de acordo com o interesse predominante, e, na ausência de interesse próprio, criou-se um hábito de defender interesses gerais do SENSO COMUM, que são a grande massa de idéias que compõe a “midiocracia”, ou a ditadura do pensamento vulgar.

Ele, o senso comum.

Que é o senso comum?

É o que Kant (ele, Kant!), chamava de receptividade das impressões.

Imaginemos a água que passa pela torneira. Sem um filtro, ela vem da caixa d’água até a torneira sem nenhuma alteração. Se utilizarmos um filtro, ela chega mais pura até o copo.

Pura era a palavra que Kant buscava na crítica da razão. Queria ele que a razão fosse pura e, assim, deveria ter um filtro, que é, nada mais, que a reflexão sobre a representação.

E a grande mídia se utiliza do hábito do superficialismo para alimentar o senso comum, com ideias que trazem escondidos interesses que não são dos consumidores do conteúdo, mas que estes acabam por o aceitar e tomar para si.

Assim, formou-se o senso comum, como uma ideia que não teve filtro, já que não havia dentro de cada um uma ideia pré-concebida para, num processo dialético, resultar num produto final diverso da ideia anterior.

E os movimentos sociais, que tem a ver com isso.

Tudo!

O que separa os movimentos sociais em legítimos e ilegítimos é a ideia (que é crítica ou não).

No último ano houveram várias manifestações defendendo ideias baseadas no senso comum. Foram muitas passeatas defendendo, por exemplo, intervenção militar, e manifestando contrariedade pessoas que nem mesmo exercem cargo político numa manifestação (estrito senso) política.

E, também, vemos se apoderar de todos o pensamento de ódio partidário. E, em analisando este movimento, vemos que seus fundamentos são muitíssimo frágeis, sendo na maioria inverossímeis e baseados em preconceitos.

E, mais importante, vemos nestes movimentos um ÓDIO PROVOCADO.

É algo exterior, que não nasceu de cada indivíduo, mas que acabou por ser incorporado por TOTAL FALTA DE UM FILTRO, de uma referência particular.

Estes movimentos sociais, de fora para dentro, é o que chamamos, aqui, de movimento centrípeto.

E, ao mesmo tempo, vemos diversas manifestações que surgiram de sentimento espontâneo de indivíduos que, por conjugação de ideias, organizaram-se para manifestar seus ideais.

Como estes são os movimentos estudantis, que nasceram da organização dos próprios estudantes, sem grandes articulações midiáticas.

São movimentos que surgem de conjugação de ideia íntima.

Estes são o que chamamos aqui de movimentos centrífugos.

O senso comum cria muitos mitos por total falta de reflexão. Faz mentiras tornarem-se verdades tão somente porque são repetidas por aqueles que delas se comprazem.

Basta dizer algo que agrade as massas para que a ideia se contamine, pois é agradável. Nada é melhor que ouvir algo que concordamos, uma ideia que conjugamos.

Assim se faz o movimento centrípeto. De uma articulação provocada de ideias que, por serem agradáveis, provocam sua autodifusão e geram manifestação social. Tudo isso é o início e o fim da “midiocracia”, que é a ditadura do pensamento vulgar.

Enquanto que o movimento centrífugo é íntimo. É puro, pois nasce do peito de cada indivíduo, e a ideia que nasce de dentro é que brota.

Vive-se numa ditadura do pensamento vulgar, onde o raciocínio é natimorto.

Mario_Henrique_Luz_Prado

Mário Henrique da Luz do Prado é advogado do escritório JBM Advogados.

Fonte: Migalhas