Para Étienne Gilson, não há como pensar a filosofia medieval sem falar em uma filosofia cristã e, no seu papel de historiador, não lhe caberia desconsiderá-la, sob pena de limitar a informação da realidade histórica. O autor ressalta que a questão mais importante é de ordem filosófica, não objetivando saber se houve cristãos filósofos, mas se pode haver filósofos cristãos.
A época estudada caracteriza-se pela importância dada ao elemento religioso, não ignorando as outras doutrinas existentes, portanto era comum associar o conhecimento filosófico ao dogma religioso, junção denominada escolástica, ao que ele induz a questionar se merece a designação de filosofia.
A noção esbarra na crítica dos historiadores, céticos em relação à Filosofia na Idade Média, acusando os “pensadores cristãos” de apoderarem-se das ideias dos verdadeiros filósofos, não somente, mas a aplicá-las a seus dogmas cristãos, não enriquecendo em nada o patrimônio filosófico da humanidade. Tal visão foi imputada aos racionalistas puros, que diferenciam essencialmente religião e filosofia, o que torna impossível a colaboração entre elas. Para estes, a religião não é da ordem da razão, portanto a razão não pertence a ela, mas à filosofia.
Há controvérsias também entre os pensadores da Idade Média. Alguns não se preocupam com o título de filósofos, pois já se bastam com o de cristãos. Para outros, o exercício da razão pura não só é seguramente possível, como citam Platão e Aristóteles para ratificar aquilo que atribuem como Revelação cristã, tendo esta modificado as condições em que a razão é exercida. Neste ponto, Gilson evidencia que um dos erros que pode cometer qualquer Filosofia é bastar-se a si mesma, pois o método consiste em tomar a revelação apenas como guia a fim de alcançar a inteligência de seu conteúdo, ou seja, inteligir a revelação.
Na tentativa de sanar o problema da indissociação entre fé e razão, os neo-escolásticos adotaram parcialmente a posição de seus adversários, atestando ser a única filosofia cristã possível a de São Tomás de Aquino, pois somente o tomismo apresenta-se como verdadeira filosofia, nas quais as premissas deduzidas são puramente racionais. Para isso, elevam a teologia ao topo da escala das ciências, fundada na revelação divina que fornece os princípios norteadores. Para eles, sendo uma conclusão filosófica verdadeira, ela não estará em desacordo com a fé e a razão, simplesmente porque é verdadeira e a verdade não poderia contradizer a verdade.
Para os adeptos de Santo Agostinho, uma filosofia verdadeira é a cristã e, para ser cristã, precisa deixar de ser filosofia. Um paradoxo, contrariando a racionalidade tomista/neotomista, que acredita que uma filosofia pode ser cristã não contradizendo os dogmas revelados, sem necessitar recorrer à fé cristã. A solução encontrada contra essa rivalidade, foi a ponderação e a escolha pelo meio termo, sem excessos, com a devida autocrítica.
Para o autor, a filosofia cristã não só é possível como legítima, pois não se deve rejeitar uma tese genuinamente racional por conta de eventuais pressupostos religiosos, culturais etc., ou estaria ele falando de preconceito, algo que não enobrece em nada a Filosofia.
Referência bibliográfica
GILSON, E. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Imagem: Quadro de Benozzo Gozzoli, “O triunfo de São Tomás de Aquino” (1470-75). Museu do Louvre.