O filme “Sociedade dos Poetas Mortos” mostra o drama vivido por alunos do segundo grau em um colégio com parâmetros rígidos de ensino e conduta racionalizantes com o objetivo de prepará-los para a formação superior sob o lema “tradição, honra, disciplina e excelência”.
O professor John Keating, interpretado pelo ator Robins Williams, vem à cena para mudar o modo com que os alunos veem o mundo. Com métodos nada ortodoxos em relação às diretrizes daquela instituição, Keating abusa de talento e sabedoria para inspirar seus alunos a perseguirem suas paixões individuais tomando as rédeas de suas próprias vidas e buscando um caminho de felicidade, mas sem desprezar o bom senso que essa caminhada exige.
A obra é marcada pela ideia de que os jovens devam transcender às normas conservadoras que lhes são impostas e que os desconsideram como seres individuais com vontade própria. Para ilustrar esse desejo transcendental, nada mais adequado do que as citações constantes do poeta e ensaísta norte-americano, Walt Whitman, um transcendentalista.
O conceito de transcendentalismo surgiu na Inglaterra, na metade do século XIX, mas enveredou para uma corrente muito mais forte nos EUA. Começou como forma de protesto contra os caminhos tomados pela cultura e a sociedade positivistas, particularmente contra o intelectualismo apregoado pela Universidade de Harvard, sempre uma referência no ensino, e contra os dogmas religiosos ensinados no colégio dessa instituição. Nesse sentido, o filme retrata fielmente a necessidade de insurgência dos alunos ‘reais’ em relação aos rumos dogmáticos que lhes estavam sendo imputados naquele momento da história.
Para os transcendentalistas, as novas ideias sobre religião, cultura, literatura e filosofia deveriam estar ligadas à existência individualista de um estado espiritual ideal, que “transcende” do físico e do empírico, e que só poderia ser obtida por sábias consciências intuitivas e livres.
Sob forte influência da filosofia idealista transcendental alemã de Immanuel Kant, na qual aquilo que não é experenciado em nossa vivência no mundo, já está incutido em nós sob formas e conceitos apriorísticos, os transcendentalistas desejavam dividir sua religião e filosofia em princípios não baseados em experiências sensoriais, estando elas resignadas ao interior espiritual ou mental de cada indivíduo.
O transcendentalismo torna-se um movimento cultural de expressão quando da publicação de um artigo na revista Nature por Ralph Emerson que chamava todos a uma revolução do pensamento humano a emergir de uma nova filosofia idealista:
“Então, vamos todos olhar para o mundo com nossos próprios olhos. Será a resposta para a infinita pergunta de nosso intelecto — O que é a verdade? O que é bom? —. Construí vosso próprio mundo. Vossa mente adotará enormes proporções quando se desabrochar. Uma revolução nas coisas irá determinar o fluxo dos espíritos.”
De início, alguns críticos relacionaram o movimento ao socialismo, enquanto outros enfatizaram seu caráter romântico de projeto individual e idealista, caso de Walt Whitman, autor do poema metafórico usado para fazer o chamamento ao professor Keating: “O Captain! My Captain!”*. Nas suas composições poéticas, Whitman elevava a condição do homem moderno, então massacrado pelo racionalismo, celebrando a natureza humana e a vida em geral em termos poucos convencionais, sem deixar de celebrar o futuro da América. No caso específico desse poema, foi escrito após a morte de Abraham Lincoln, o capitão, enquanto que o navio refere-se aos EUA e a “viagem terrível” lembra os problemas vividos pela Guerra Civil Americana. É conveniente lembrar que o poeta não apenas pregava os ideais do Carpe Diem**, mas também os vivia. Seu estilo de vida fora especialmente caracterizado pela simplicidade e frugalidade e seu livro mais famoso, Folhas de Relva (Leaves of Grass), pode ser considerado seu autorretrato.
O termo Carpe Diem, portanto, apresentado no filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, tem importante relação com os ideais trancendentais. Na significação popular, está fortemente ligado ao mais alto grau de hedonismo, à pura busca do prazer, quando, na verdade, seu sentido original, retirado de um poema do filósofo Horácio, inspirado no estoicismo e no epicurismo, remete ao prazer equilibrado, que deve evitar todo desprazer e toda a supremacia do prazer.
O filme pode ser relacionado, dessa forma, com forte conteúdo histórico-sociológico-filosófico, que denota exatamente os problemas vividos em uma sociedade marcada pela tentativa de controle através da impregnação de dogmatismos, estando todo seu desenrolar atrelado às consequências da permissividade de tais práticas, que se estendem aos espaços educacionais em determinados momentos históricos.
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* O poema completo de Walt Whitman sobre a morte do ex-presidente dos EUA, assassinado, Abraham Lincoln, traduzido para o português:
Ó Capitão! meu Capitão!
Ó Capitão! meu Capitão! Finda é a temível jornada,
Vencida cada tormenta, a busca foi laureada.
O porto é ali, os sinos ouvi, exulta o povo inteiro,
Com o olhar na quilha estanque do vaso ousado e austero.
Mas ó coração, coração!
O sangue mancha o navio,
No convés, meu Capitão
Vai caído, morto e frio.
Ó Capitão! meu Capitão! Ergue-te ao dobre dos sinos;
Por ti se agita o pendão e os clarins tocam teus hinos.
Por ti buquês, guirlandas… Multidões as praias lotam,
Teu nome é o que elas clamam; para ti os olhos voltam,
Capitão, querido pai,
Dormes no braço macio…
É meu sonho que ao convés
Vais caído, morto e frio.
Ah! meu Capitão não fala, foi do lábio o sopro expulso,
Meu calor meu pai não sente, já não tem vontade ou pulso.
Da nau ancorada e ilesa, a jornada é concluída.
E lá vem ela em triunfo da viagem antes temida.
Povo, exulta! Sino, dobra!
Mas meu passo é tão sombrio…
No convés meu Capitão
Vai caído, morto e frio.
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** O poema relacionado à ideia de Carpe Diem, de autoria de Walt Whitman, utilizado como mote no filme:
Aproveita o dia (Walt Whitman)
Aproveita o dia,
Não deixes que termine sem teres crescido um pouco.
Sem teres sido feliz, sem teres alimentado teus sonhos.
Não te deixes vencer pelo desalento.
Não permitas que alguém te negue o direito de expressar-te, que é quase um dever.
Não abandones tua ânsia de fazer de tua vida algo extraordinário.
Não deixes de crer que as palavras e as poesias sim podem mudar o mundo.
Porque passe o que passar, nossa essência continuará intacta.
Somos seres humanos cheios de paixão.
A vida é deserto e oásis.
Nos derruba, nos lastima, nos ensina, nos converte em protagonistas de nossa própria história.
Ainda que o vento sopre contra, a poderosa obra continua, tu podes trocar uma estrofe.
Não deixes nunca de sonhar, porque só nos sonhos pode ser livre o homem.
Não caias no pior dos erros: o silêncio.
A maioria vive num silêncio espantoso. Não te resignes, e nem fujas.
Valorize a beleza das coisas simples, se pode fazer poesia bela, sobre as pequenas coisas.
Não atraiçoes tuas crenças.
Todos necessitamos de aceitação, mas não podemos remar contra nós mesmos.
Isso transforma a vida em um inferno.
Desfruta o pânico que provoca ter a vida toda a diante.
Procures vivê-la intensamente sem mediocridades.
Pensa que em ti está o futuro, e encara a tarefa com orgulho e sem medo.
Aprendes com quem pode ensinar-te as experiências daqueles que nos precederam.
Não permitas que a vida se passe sem teres vivido…
Referência bibliográfica
WHITMAN, W. Folhas de relva. São Paulo: Brasiliense, 1983.