O jovem Marx integrou-se à vida política e intelectual ainda nos cursos de Direito, Filosofia e História, concluídos na Universidade de Berlim. Na época, tendências de oposição à monarquia absolutista da Prússia se consolidavam.
Sempre em busca de explicações mais plausíveis para a sua realidade e impregnado pela influência do iluminismo francês, do materialismo feuerbachiano, da doutrina hegeliana e da economia política clássica britânica, o jovem se fez também um oposicionista, assumindo a ideologia alemã da qual viria a ser o crítico mais radical.
Marx se opôs ferrenhamente à vigência de um estado prussiano cristão o qual enxergava como um retrocesso e propunha que a democracia fosse levada às últimas consequências, o que resultaria na ampliação dos direitos políticos e civis.
Ao mesmo tempo em que a oposição à monarquia absolutista acenava com o democratismo radical, ela também exaltava o Estado como o reino da Razão. Em referência ao pensamento hegeliano, cujo estatuto era de filosofia oficial, acreditava-se que o conceito de liberdade se personificava no Estado, entendido como o promotor da plena harmonia entre a liberdade individual e a coletiva. Comprimidos pela censura, os oposicionistas empenharam suas forças na crítica não ao Estado, mas à religião associada ao Estado.
Partindo dos “Princípios da Filosofia do Direito”, de Hegel, obra em que é explicitada a teoria do Estado, surge a controversa discussão sobre a relação entre o real e o racional polarizando os discípulos do hegelianismo pela disputa da interpretação definitiva de sua obra.
Assim, eles dividem-se em dois grupos: os velhos hegelianos de direita e os jovens hegelianos de esquerda. Os primeiros lutavam pela manutenção do status quo da sociedade prussiana, pela conservação daquilo que entendiam como o ápice do desenvolvimento e negavam a possibilidade de dialética, ou seja, acreditavam que a racionalidade se refletia no real, por isso defendiam o caráter racional do existente. O segundo grupo preconizava que a transformação da sociedade não havia findado, pois a entendiam em fase de aperfeiçoamento, construindo-se dialeticamente, ou seja, a realidade não havia atingido seu caráter racional e, por isso, o real existente era visto como irracional.
O jovem Marx, apesar de inicialmente mais próximo aos hegelianos de esquerda – dentre os quais se destaca Feuerbach -, acabou divergindo dos dois grupos ao articular uma crítica contra o Estado que abarcava todo o sistema hegeliano presente na obra supracitada.
Nesse aspecto, segundo Lukács, o jovem Marx era superior aos outros jovens hegelianos por sua riqueza conceitual, profundidade, “mas, sobretudo, porque ia muito além deles na questão decisiva para o desenvolvimento ideológico da Alemanha da época, ou seja, na crítica da filosofia de Hegel” (2007, p. 124).
O filósofo húngaro afirma ainda que Marx se sobressaía “tanto politicamente, pelo seu democratismo radical, quanto filosoficamente, pela profundidade no desenvolvimento crítico (por enquanto) da filosofia hegeliana”, que, de acordo com a leitura lukacsiana, estava acomodada diante do Estado reacionário prussiano.
Em 1843-44, Marx redige o manuscrito contendo a crítica ao pensamento hegeliano, cujo título é “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”. Na obra, Marx mostra-se fortemente influenciado pelo pensamento feuerbachiano, apesar de ir além do autor, introduzindo elementos novos e criando sua própria crítica. Em termos dialéticos, Marx leva a efeito a superação (Aufhebung) da crítica de Feuerbach utilizando-a como ponto de partida para sua reflexão.
Feuerbach, em sua obra “Essência do Cristianismo”, tem a religião como objeto da crítica, mas volta suas armas contra o pensamento hegeliano, contra sua concepção de “Absoluto”, que seria uma manifestação oculta da Teologia, remetendo à ideia de Deus. Segundo ele, os homens apelam à religião porque Deus é o resultado de um estranhamento. Desse modo, para se afastar de uma forma de existência miserável, os homens constroem abstratamente uma forma de vida mais aceitável.
Para Feuerbach, o homem é o sujeito, Deus é o objeto, no entanto, logo ocorre a inversão em que objeto transforma-se em sujeito, passando Deus de produto a produtor, tornando a religião uma atividade humana que se dá pelo estranhamento. A partir dessa concepção, a análise feuerbachiana entende que a religiosidade pertence à essência do homem, que é um ser religioso por natureza, e a religião é a forma de personificar, através de Deus, os sonhos humanos.
Marx, por sua vez, ao atribuir ao estranhamento religioso uma noção política, critica a passividade do sujeito proposta por Feuerbach de que o homem é essencialmente religioso, ou seja, independentemente do momento histórico vivido, possui como característica a religiosidade.
O jovem Marx identifica nessa concepção um erro político, propondo trocar a ideia por este homem é essencialmente religioso já que se apega à religiosidade devido às circunstâncias sociais e históricas; em outros termos, o homem é determinado pela sociedade em que vive.
Assim, Marx irá além da crítica contemplativa religiosa, a teoria, sem recusar a religião, adentrando na crítica do campo da política, ou seja, a práxis, antecipando a ideia de autoconsciência humana através do desmascaramento da realidade para que ela possa ser transformada por meio do esclarecimento da consciência.
Em outras palavras, Marx afirma que “o homem é o mundo dos homens, o Estado, a sociedade. Este Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido” (2005, p. 145).
Enquanto no pensamento hegeliano o Estado é a representação da vontade racional universal que media os interesses reais existentes entre os particulares, quais sejam, família e sociedade civil, Marx, por meio do materialismo histórico, em crítica a Hegel, entende que somente a sociedade civil pode realizar em si sua autodeterminação e não esperar a determinação de um estado político que, segundo ele, privilegia interesses não-gerais.
Para Marx, lutar contra a religião é, indiretamente, lutar contra o mundo no qual ela se tornou a “realização fantástica da essência humana” (2005, p. 146). Nesse sentido, a religião é o protesto contra o real, o ópio contra o mundo miserável, invertido e estranhado politicamente, no qual o homem se encontra.
De acordo com o filósofo alemão, o estranhamento não deriva da religiosidade do homem, que seria apenas um efeito, mas de seu contexto histórico. A Marx interessa analisar as causas desse estranhamento, invertendo o invertido através de uma crítica prática ao estranhamento no âmbito político do Estado e do direito, superando a crítica da religião, a “felicidade ilusória dos homens” (2005, p. 147), passando à crítica da esfera onde acontece sua felicidade real, para que este homem passe a girar em torno de si mesmo.
Visando estabelecer a verdade deste mundo, a tarefa imediata da filosofia, que está a serviço da história, é desmascarar a autoalienação humana nas formas não sagradas, portanto, políticas, uma vez que as formas sagradas se desvaneceram. Segundo Marx, “a crítica do céu transforma-se deste modo em crítica da terra, a crítica da religião em crítica do direito, e a crítica da teologia em crítica da política” (2005, p. 147).
Referências bibliográficas
LUKÁCS, György. O jovem Marx e outros escritos de filosofia. Rio de Janeiro: EDUFRJ, 2007.
MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.